O pássaro que nunca esquece (2024)

O modesto quebra-nozes de Clark tem uma das memórias mais marcantes do reino animal

  • Pedro Friederici
  • 01 de outubro de 2000

O pássaro que nunca esquece (1)O OUTONO CHEGA CEDO nas montanhas do oeste da América do Norte, anunciado por dias frescos, cornetes de alces e tremores de folhas douradas de álamo tremedor. Em muitos lugares, também é acompanhado por uma explosão de atividade de pássaros cinzentos e pretos, um pouco menores que os corvos, cujos vociferantes chamados kraa rivalizam com os de seus primos totalmente negros. Do Arizona à Colúmbia Britânica, chegou a época da colheita dos quebra-nozes de Clark.

A cada outono, os quebra-nozes usam suas notas poderosas para abrir pinhas maduras e reunir sem*ntes ricas em gordura e proteínas em uma bolsa de armazenamento especializada sob suas línguas. Um único pássaro pode carregar até 90 sem*ntes de tipos favorecidos, como pinheiro, flexível e pinheiro de casca branca.

Em seguida, um quebra-nozes voa com sua carga para uma encosta voltada para o sul, muitas vezes a quilômetros de distância do local de coleta, onde a neve do inverno derreterá mais cedo. Lá, ele enterra pequenos grupos de sem*ntes no solo a uma profundidade média de cerca de 2,5 cm e rapidamente os cobre com terra ou cascalho. Estas caches não estão, ao olho humano, marcadas.

Trabalhando quase o dia todo, todos os dias, de agosto a dezembro, um único quebra-nozes pode coletar até 33 mil sem*ntes de pinheiro e enterrá-las em mais de 2.500 esconderijos separados. Usar tantos locais de armazenamento equivale a um seguro para os quebra-nozes, já que alguns esconderijos são inevitavelmente roubados por roedores famintos ou perdidos em decomposição.

Mas mais notável do que a prodigiosa energia que os quebra-nozes investem no armazenamento de alimentos é o seu sucesso na sua recuperação. Eles nidificam no início da primavera, quando a neve cobre o solo e a comida é escassa. Tanto as aves adultas como os filhotes dependem quase inteiramente de sem*ntes recuperadas de esconderijos. Os quebra-nozes e seus filhotes ainda podem comer sem*ntes armazenadas um ano depois de enterrá-las.

“A forma como estas aves encontram os seus esconderijos parecia um feito incrível quando começámos a estudá-las”, diz Russell Balda, biólogo da Northern Arizona University que investiga a espécie há cerca de 30 anos. "Logo descobrimos que o quebra-nozes de Clark é a estrela da memória espacial do mundo das aves e, possivelmente, do mundo dos vertebrados."

Balda estudou primeiro os quebra-nozes selvagens, mas nas últimas duas décadas ele e outros cientistas realizaram extensos testes laboratoriais em quebra-nozes em cativeiro e outros corvídeos armazenados em sem*ntes (a família que também inclui corvos, corvos e gaios). Aos poucos, eles estão começando a entender como essas aves se lembram com tanta precisão de onde armazenaram seus alimentos.

Num teste de laboratório típico, as aves em cativeiro são colocadas numa sala contendo um determinado número de pequenos espaços de armazenamento cheios de sujidade embutidos no chão, bem como pontos de referência espalhados, como cartazes de parede ou tubos de plástico que se projetam do chão. Os quebra-nozes e os gaios são testados para verificar se lembram bem onde armazenaram as sem*ntes de pinheiro que armazenaram em visitas anteriores.

Comparações entre espécies mostraram que a memória está intimamente ligada à necessidade. Os quebra-nozes e os pinyon jays, que se alimentam quase inteiramente de alimentos armazenados durante a nidificação, têm excelentes memórias. Os gaios mexicanos e os gaios ocidentais também armazenam sem*ntes, mas nidificam no final do ano, quando os insetos são abundantes e não dependem tanto de seus esconderijos. Eles esquecem os locais de armazenamento com muito mais facilidade do que as duas primeiras espécies.

Como os quebra-nozes se lembram tão bem? A anatomia básica revela uma resposta fácil: eles têm um grande hipocampo, uma parte do cérebro associada à memória espacial. Descobrir como eles usam essa capacidade mental, porém, é complicado.

Muitos dos testes estabeleceram o que os pássaros não fazem. Eles não prestam atenção às marcas no chão. Eles não cheiram sem*ntes enterradas. Eles não se lembram da ordem em que criaram os caches. Eles não duplicam sua trajetória de voo ao armazenar em cache e recuperar.

O que, então, eles fazem? Um trabalho recente do biólogo Alan Kamil, da Universidade de Nebraska, e colegas mostrou que os pássaros notam pontos de referência e são capazes de compreender as relações geométricas entre eles. Por exemplo, os quebra-nozes são capazes de encontrar sem*ntes enterradas a meio caminho entre dois marcadores, mesmo depois de os marcadores serem movidos.

“Se você remover os pontos de referência, eles não conseguirão encontrar seus esconderijos”, diz Kamil. "Eles parecem se lembrar de algo sobre a relação dos locais de cache com vários pontos de referência. O fato de poderem usar relações bastante abstratas, como uma distância igual entre dois pontos de referência, sugere que são muito flexíveis."

Os quebra-nozes selvagens geralmente armazenam sem*ntes em locais florestais acidentados com amplos pontos de referência, como pedras e árvores, que presumivelmente permitem que eles cheguem aos locais de armazenamento. Mas descobrir como eles percebem variáveis ​​como distância e direção dos marcadores – e como conseguem se lembrar de tantos locais – provavelmente exigirá mais anos de testes.

“A memória é como uma cebola”, diz Kamil. "Você remove uma camada e há outra. Você descobre que quanto mais aprende, menos sabe."

Balda e Kamil também queriam investigar as diferenças na forma como os pássaros se lembram de diferentes esconderijos. Um de seus experimentos mostrou que os quebra-nozes parecem lembrar melhor alguns locais de cache do que outros, e escavam primeiro os locais mais lembrados. Isso faz sentido do ponto de vista ecológico: as aves normalmente enterram muito mais sem*ntes do que necessitam, e só se os alimentos continuarem escassos durante muito tempo é que terão de encontrar esconderijos que não são precisamente lembrados. Este armazenamento excessivo é significativo, pois as sem*ntes que não são recuperadas podem brotar em novos pinheiros, beneficiando assim tanto as árvores como as futuras gerações de quebra-nozes.

Estas e outras experiências estão lentamente a conduzir a uma grande questão: as aves com melhores memórias são mais bem-sucedidas - isto é, sobrevivem mais tempo ou geram mais descendentes? A resposta a esta questão pode ter relevância muito além do mundo aviário, ajudando os cientistas a determinar se a inteligência é uma característica adaptativa, como força ou resistência a doenças.

Pode parecer óbvio que os quebra-nozes mais inteligentes – isto é, aqueles com melhores memórias – viveriam mais ou produziriam mais descendentes do que os quebra-nozes menos dotados, mas Kamil diz que não é tão fácil. “Pode haver custos para ser inteligente”, diz ele, “como o custo de carregar um cérebro maior”.

Encontrar a ligação entre inteligência e sobrevivência é uma tarefa difícil que não pode ser realizada apenas no laboratório e provavelmente alimentará mais anos de investigação. O que já se sabe, porém, é suficiente para dar uma nova perspectiva a qualquer pessoa que observe as travessuras dos quebra-nozes selvagens: esses cérebros de pássaros não são bonecos.

O escritor Peter Friederici observa quebra-nozes nas montanhas perto de sua casa no Arizona.

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